terça-feira, 5 de junho de 2012

Serie Viajante Solitário - Conto 16


Um anjo desceu suavemente, não é homem nem mulher, tem um rosto de pura bondade e carinho e deu-me de suas mãos água para beber.
Não é sonho ou morte, apenas estava viajando.
Volto à realidade e lembro as dores sofridas e o espancamento que quase acabou comigo. Que Deus acompanhe o malfeitor, presenteando-o com vida longa e sorte na vida sendo portanto muito feliz. Ao resgatar sua vida Deus cuidará em puni-lo, primeiramente ao revelar-lhe que seus 70 anos de vida são 7 segundos diante da vida eterna; e eu estarei lá... como testemunha de acusação.
Porém não estou sozinho como de costume.
Acordei num quarto de um precário hospital de periferia mas cercado de um tesouro inestimável, o carinho e o amor com que uma enfermeira cuida e mim. Dialoga, trata, sorri com amabilidade tão forte que comove. Minha natureza romântica, a vida de sofrimento e a ausência de carinho fez-me chorar. Ela enxuga minhas lágrimas e me conforta com mãos suaves e palavras doces lembram minha mãe quando, pequeno, dependia dela para viver.
Fico alguns dias e vou me recuperando no pequeno hospital, a enfermeira dedica quase todo o seu tempo disponível a mim.
Levanto da cama, é noite. Lá está ela em seu posto e me vê sair do quarto, então me olha como a mãe que não resiste em ser doce mesmo ao repreender o filho, então sorri. Imito. Há tanto tempo não faço isso que tive alguma dificuldade, mas insistindo consegui. Andei até um salão onde havia uma televisão, vi um lugar onde almas bondosas ajudavam na recuperação de crianças surdo-cegas, e diante o aparente sofrimento e tristeza delas ainda percebia a força com que se agarravam a ajuda que recebiam, como a criança e a mãe, como eu e a enfermeira.
Lembro de pessoas lindas, fortes, sadias, que vêem e ouvem, pensam e andam, mas que recebendo tudo isso cometem crimes e maldades de formas cada vez mais cruéis. E a criança nascida deficiente daria as mãos por uma luz nos olhos, qual pecado terá cometido !? Ou teriam sido seus pais os pecadores !?
Cristo respondeu a mesma pergunta dizendo:" Nem ela pecou tampouco seus pais pecaram, mas assim nasceu para que se manifestem as obras de Deus."
Mistério ou crueldade ?
O mesmo anjo apareceu-me sussurrando aos meus ouvidos a explicação de tudo. Dizia : "Homem, a vida nada é porque é ilusão e o tempo nada representa ao Todo-Poderoso. Os sofredores ganharam Ouro, Incenso e Mirra pois detêm a passagem garantida ao Reino Eterno, enquanto os outros precisam ainda conquista-lo, todavia posso dizer, poucos conseguem."
Acordo. A enfermeira ao meu lado arruma as cobertas sobre mim e sem que ela perceba finjo dormir, que sonho estranho tive ! Sabia que se referia à reportagem que assisti, mas qual o significado do que disse o anjo.
No dia seguinte estou na porta do hospital prestes a sair. Acompanhou-me a doce enfermeira, nem sei seu nome ou ela o meu, nada disse nem ela a mim, apenas sorrimos. Peguei suas duas mãos e num gesto de profundo agradecimento, mais ao carinho do que às ataduras, beijei-as com ternura.
Deixei o local de coração enobrecido pela bondade humana, em saber que existe e é possível.
Retornei a minha viagem sem destino.
Solitário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário