sexta-feira, 29 de junho de 2012

Serie Viajante Solitário - Conto 21


Quem será ? Quem está me acordando ? Quem se importa comigo ? Questiono.
- Abra os olhos. - Era uma doce voz de mulher, e eu reconhecia de algum lugar, espere... não pode ser.
Abri os olhos com o coração acelerado. Estava deitado ainda e ela aproximou-se por detrás, sua cabeça em direção ao sol de forma que não enxerguei seu rosto. Apenas senti seus cabelos longos, negros e lisos, ainda úmidos, encostarem suas pontas sobre meu rosto até derramarem-se inteiros. Então surgiram seus olhos e o calor de seu corpo encontrou o do meu... até que sua boca... ela me beijou ! Beijou com força, com saudades, tesão, e com tudo o que se pode sentir.
Mas era uma miragem, projeções de minha mente ainda sob o torpor do sono.
Continuo viajando solitário. Em termos, porque olhei pro lado e vi Biro em sono profundo. Esperei até que acordasse, então partimos para mais um dia de caminhada.
Pegamos estrada sob sol forte. No horizonte uma linha reta indo a lugar algum e ao nosso lado quilômetros de extensão de terra  árida. E nesse cenário seguíamos desfalecendo pelo caminho. Calor forte, silencio absoluto e pés ardentes. Urubus rodeavam a estrada sobre nossas cabeças, mas logo em seguida cruzamos com meia dúzia deles à beira da estrada devorando algum animal que morreu fugindo da seca.
- Tadinho dele, viajante!
- É preciso sempre enfrentar os problemas. Se você fugir, uma hora eles te alcançam.
- Mas eu não aguento mais, cara. Tá quente demais !
- Biro, quando você tá mais por baixo é que descobre forças que parecia que não tinha mais, continue andando. É só não desistir, nunca. Se você continua lutando, a¡ nada vence a gente. Por mais sofrida que seja sua vida você não pode simplesmente deitar e morrer, é preciso ser forte. Quanto mais obstáculos melhor é a briga, e sempre existe alguma boa razão para continuar.
Não sabia mais se acreditava nessas palavras, mas falava com eloquência. O menino ouvia com paciência porém eu duvidava que ele tivesse guardado alguma coisa, enfim tentar é sempre válido. O que eu não previa é que seriam as últimas.
O sol estava impiedoso.
Biro chamou-me a atenção pra algo distante. Um ponto no horizonte da estrada e uma nuvem de poeira denunciavam a aproximação de um veículo; sabia o que iria acontecer, portanto íamos em sua direção. Vinha devagar mas era um caminhão de retirantes da seca, seguindo rumo à capital, em terras menos áridas onde ainda se podia mendigar água e pão, que corações misericordiosos ofereciam. Pararam ao nosso lado quando o motorista fez o convite. Dezenas de homens, mulheres e crianças me olhavam "olhares mudos" como cérebros que não pensam de estômago vazio.
- Você vai – eu disse ainda fixo naquelas pessoas. Biro entendeu e baixou a cabeça mergulhado num dilema. E eu continuei. - Com eles você chega antes e pode sobreviver em segurança, pelo menos em relação à fome.
O menino olhou pra mim. Percebendo, olhei em seus olhos mareados e acenei com a cabeça em direção ao caminhão. Ele foi, subiu e se misturou a eles.
- Cê num vai não ? - perguntou o motorista.
- Meu caminho é outro, me viro sozinho, pois sempre viajei sozinho. Vá em paz, moço !

Ele partiu e detrás vi uma mão me acenando do caminhão em retirada.
Logo a nuvem de poeira se dissipou e o silencio tomou conta de tudo.
Sozinho novamente em direção ao meu destino, o sul.
É preciso sempre enfrentar os problemas. Se você fugir, uma hora eles te alcançam.
Estou indo.

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