Quem será ? Quem está me acordando ? Quem se importa
comigo ? Questiono.
- Abra os olhos. - Era uma doce voz de mulher, e eu
reconhecia de algum lugar, espere... não pode ser.
Abri os olhos com o coração acelerado. Estava
deitado ainda e ela aproximou-se por detrás, sua cabeça em direção ao sol de
forma que não enxerguei seu rosto. Apenas senti seus cabelos longos, negros e
lisos, ainda úmidos, encostarem suas pontas sobre meu rosto até derramarem-se
inteiros. Então surgiram seus olhos e o calor de seu corpo encontrou o do
meu... até que sua boca... ela me beijou ! Beijou com força, com saudades,
tesão, e com tudo o que se pode sentir.
Mas era uma miragem, projeções de minha mente ainda
sob o torpor do sono.
Continuo viajando solitário. Em termos, porque olhei
pro lado e vi Biro em sono profundo. Esperei até que acordasse, então partimos
para mais um dia de caminhada.
Pegamos estrada sob sol forte. No horizonte uma
linha reta indo a lugar algum e ao nosso lado quilômetros de extensão de terra
árida. E nesse cenário seguíamos desfalecendo pelo caminho. Calor forte,
silencio absoluto e pés ardentes. Urubus rodeavam a estrada sobre nossas
cabeças, mas logo em seguida cruzamos com meia dúzia deles à beira da estrada
devorando algum animal que morreu fugindo da seca.
- Tadinho dele, viajante!
- É preciso sempre enfrentar os problemas. Se você
fugir, uma hora eles te alcançam.
- Mas eu não aguento mais, cara. Tá quente demais !
- Biro, quando você tá mais por baixo é que descobre
forças que parecia que não tinha mais, continue andando. É só não desistir,
nunca. Se você continua lutando, a¡ nada vence a gente. Por mais sofrida que
seja sua vida você não pode simplesmente deitar e morrer, é preciso ser forte.
Quanto mais obstáculos melhor é a briga, e sempre existe alguma boa razão para
continuar.
Não sabia mais se acreditava nessas palavras, mas
falava com eloquência. O menino ouvia com paciência porém eu duvidava que ele
tivesse guardado alguma coisa, enfim tentar é sempre válido. O que eu não
previa é que seriam as últimas.
O sol estava impiedoso.
Biro chamou-me a atenção pra algo distante. Um ponto
no horizonte da estrada e uma nuvem de poeira denunciavam a aproximação de um
veículo; sabia o que iria acontecer, portanto íamos em sua direção. Vinha
devagar mas era um caminhão de retirantes da seca, seguindo rumo à capital, em
terras menos áridas onde ainda se podia mendigar água e pão, que corações
misericordiosos ofereciam. Pararam ao nosso lado quando o motorista fez o
convite. Dezenas de homens, mulheres e crianças me olhavam "olhares mudos"
como cérebros que não pensam de estômago vazio.
- Você vai – eu disse ainda fixo naquelas pessoas.
Biro entendeu e baixou a cabeça mergulhado num dilema. E eu continuei. - Com
eles você chega antes e pode sobreviver em segurança, pelo menos em relação à
fome.
O menino olhou pra mim. Percebendo, olhei em seus
olhos mareados e acenei com a cabeça em direção ao caminhão. Ele foi, subiu e
se misturou a eles.
- Cê num vai não ? - perguntou o motorista.
- Meu caminho é outro, me viro sozinho, pois sempre
viajei sozinho. Vá em paz, moço !
Ele partiu e detrás vi uma mão me acenando do
caminhão em retirada.
Logo a nuvem de poeira se dissipou e o silencio
tomou conta de tudo.
Sozinho novamente em direção ao meu destino, o sul.
É preciso sempre enfrentar os problemas. Se você
fugir, uma hora eles te alcançam.
Estou indo.
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