sábado, 2 de junho de 2012

Serie Viajante Solitário - Conto 15


 " Nolicte sanctum dare canibus, nec mittatis margaritas ante porcos, ne conculcent pedibus, et conversi dirumpant vos."

A única frase em latim que decorrei na vida.
Viajante Solitário.
Nunca senti tanto seu sentido quanto o negro dia em que caminhava por uma rua, numa noite quente de Janeiro e tudo aconteceu tão de repente. Meus olhos contemplavam as estrelas até que depararam comum jovem rapaz arrastando a força uma menina.
Gritei e ele parou. A garota se desvencilhou e fugiu correndo. Ele atônito, eu furioso, ele vingativo, eu compreensivo.
Questionei sua conduta, ele quis escapar mas o contive encostando-o numa parede. Minha mão em seu pescoço sentia sua pulsação alterada. Soltei o verbo e disse tudo, da canalhice que pretendia fazer, do que representaria para a garota e para ele próprio, do mal que causaria, da violência, da consciência, família, presente e futuro, enfim tudo.
Soltei. Ele saiu andando e nada disse.
Fiquei pensando. O estupro está entre as piores formas de violência física e moral, porque abala a estrutura psicológica de uma pessoa. Incrível como o homem instigado pelo mal deturpa tudo o que foi criado para o bem. O sexo originou-se como uma benção, coroando a união de homem e mulher, para que estes gerassem filhos, tal como se deu a criação do homem. A criatura torna-se criador e o sexo é uma parcela do prazer infinito em criar. E hoje, na mente de todos nós, corrompidos pela semente do mal, tudo é sujo, proibido, angustiante, doentio, mortal, perdendo sua origem pura para o lado negro da alma.
Segui meu caminho por mais alguns minutos e foi quando me dei conta de que mais alguns olhos, além das estrelas, me vigiavam.
Quatro ou cinco, um grupo de jovens e entre eles aquele cuja intenção maliciosa impedi. Pensei que tivesse aprendido a lição. Se aproximavam e quando percebi já haviam me cercado, foi quando olhei nos olhos deles enquanto ouvia a promessa de vingança de seus lábios. Logo os insultos foram substituídos por agressões, mas reagi e uma briga teve início. Derrubei o primeiro, o segundo, mas o terceiro, quarto, quinto ficou difícil. Todos juntos então...
Fui impiedosamente espancado e tudo o que se pensa nesse momento é em sobreviver, desesperadamente como se até então nada tivéssemos feito na vida, com tudo pra fazer e lembramos de tudo que não tivemos coragem de realizar, por medo, ignorância de nossa programação mental, e vemos como o tempo é curto. A dor intensa vai diminuindo, quase esquecemos, a luz se apaga e cheiro sangue.
Silencio. Silencio absoluto. Consigo abrir um de meus olhos e me vejo deitado em chão de terra, ninguém a minha volta, é noite ainda. Experimento todos os músculos e nervos do meu corpo e percebo, feliz, que respondem; entretanto não ouso mover-me para não disparar uma dor aguda. Penso apenas em meu estado, será que sairei dessa ? Aonde falhei em meu discurso ao jovem rapaz ?
Lembro enfim das palavras ditas a quase 2000 anos, tão sábias e certas quanto a vinda de um novo amanhecer.
" Não deis aos cães o que ‚ santo, nem atireis aos porcos as vossas pérolas, para que eles não as pisem com os pés, e voltando-se, vos destruam."

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