"
Nolicte sanctum dare canibus, nec mittatis margaritas ante porcos, ne
conculcent pedibus, et conversi dirumpant vos."
A única frase em latim que decorrei na vida.
Viajante Solitário.
Nunca senti tanto seu sentido quanto o negro dia em
que caminhava por uma rua, numa noite quente de Janeiro e tudo aconteceu tão de
repente. Meus olhos contemplavam as estrelas até que depararam comum jovem
rapaz arrastando a força uma menina.
Gritei e ele parou. A garota se desvencilhou e fugiu
correndo. Ele atônito, eu furioso, ele vingativo, eu compreensivo.
Questionei sua conduta, ele quis escapar mas o
contive encostando-o numa parede. Minha mão em seu pescoço sentia sua pulsação
alterada. Soltei o verbo e disse tudo, da canalhice que pretendia fazer, do que
representaria para a garota e para ele próprio, do mal que causaria, da
violência, da consciência, família, presente e futuro, enfim tudo.
Soltei. Ele saiu andando e nada disse.
Fiquei pensando. O estupro está entre as piores
formas de violência física e moral, porque abala a estrutura psicológica de uma
pessoa. Incrível como o homem instigado pelo mal deturpa tudo o que foi criado
para o bem. O sexo originou-se como uma benção, coroando a união de homem e
mulher, para que estes gerassem filhos, tal como se deu a criação do homem. A
criatura torna-se criador e o sexo é uma parcela do prazer infinito em criar. E
hoje, na mente de todos nós, corrompidos pela semente do mal, tudo é sujo,
proibido, angustiante, doentio, mortal, perdendo sua origem pura para o lado
negro da alma.
Segui meu caminho por mais alguns minutos e foi
quando me dei conta de que mais alguns olhos, além das estrelas, me vigiavam.
Quatro ou cinco, um grupo de jovens e entre eles
aquele cuja intenção maliciosa impedi. Pensei que tivesse aprendido a lição. Se
aproximavam e quando percebi já haviam me cercado, foi quando olhei nos olhos
deles enquanto ouvia a promessa de vingança de seus lábios. Logo os insultos
foram substituídos por agressões, mas reagi e uma briga teve início. Derrubei o
primeiro, o segundo, mas o terceiro, quarto, quinto ficou difícil. Todos juntos
então...
Fui impiedosamente espancado e tudo o que se pensa
nesse momento é em sobreviver, desesperadamente como se até então nada
tivéssemos feito na vida, com tudo pra fazer e lembramos de tudo que não
tivemos coragem de realizar, por medo, ignorância de nossa programação mental,
e vemos como o tempo é curto. A dor intensa vai diminuindo, quase esquecemos, a
luz se apaga e cheiro sangue.
Silencio. Silencio absoluto. Consigo abrir um de
meus olhos e me vejo deitado em chão de terra, ninguém a minha volta, é noite
ainda. Experimento todos os músculos e nervos do meu corpo e percebo, feliz,
que respondem; entretanto não ouso mover-me para não disparar uma dor aguda.
Penso apenas em meu estado, será que sairei dessa ? Aonde falhei em meu
discurso ao jovem rapaz ?
Lembro enfim das palavras ditas a quase 2000 anos,
tão sábias e certas quanto a vinda de um novo amanhecer.
" Não deis aos cães o que ‚ santo, nem atireis
aos porcos as vossas pérolas, para que eles não as pisem com os pés, e
voltando-se, vos destruam."
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