O violão marca um melódico compasso
E dois homens cantam pela cidade
Palavras que cortam como aço
É como um ultimato, é a verdade
Viajante Solitário.
Mas não tanto, porque no caminho encontrei quem
seguisse comigo pelas trilhas de terra como um companheiro, amigo, partilhando
o pão e enfrentando o frio da noite. Um garoto de rua, tão necessitado de
carinho quanto de comida e que pediu para andar comigo, é inteligente e gosta
de me acompanhar. Biro ‚ a alegria dessa viagem de retorno, vai adiante de mim
e me encontra depois com duas mangas, pergunto se as roubou e me diz que
apanhou na árvore e ninguém é dono da natureza. Faz tanto sentido que
deveria ser lei.
- Viajante ! – disse ele - Tem uma cidade lá na
frente.
- Eu conheço alguém aqui, fique junto que nós vamos
procurar um homem bondoso.
Era uma cidade pequena de interior mas limpa e
organizada, senti tranqulidade e bem estar como a muito tempo não sentia,
típico de uma pacata cidade. Percorremos suas ruas sob os olhares dos
habitantes até chegarmos a uma praça central. Havia uma linda igreja e eu sorri
pois encontramos o homem.
Padre Alberto nos recebeu na sacristia onde nos deu
alimento, e enquanto comíamos foi buscar roupas novas e limpas.
- Legal o padre, né viajante!
- Ele já me ajudou uma vez, Biro.
Havia uma imagem do Santo Sudário de Cristo, postada
numa parede da sacristia.
- Biro, essa é a foto dele, expressão tranquila
olhos fechados em seu leito de morte, calmo e certo de sua ressurreição, veja !
Olhe bem fixo e sinta a magia desse momento a tantos anos atrás, o instante em
que Ele esteve morto, sereno, após dar seu sangue pelas almas da humanidade e a
importância de seu gesto aumenta a cada nascimento de uma criança, observe e
medite no semblante do rosto dele. Arde no peito ! E como é vital para nós...
como é bondade, alegria, amor, justiça !!
Ele sabe de tudo, quieto, compassivo, absoluto...
ele sabe de tudo.
Nossas vergonhas e pecados mais íntimos, nosso
coração, nossas proezas e feitos, nossos sentimentos ! Ali, olhos fechados,
soberano e ciente do poder que emana de si, o amor. Sabe o passado e o futuro e
acompanha simultaneamente cada passo de suas ovelhas sem descanso, Ele é Rei.
Rei incontestável, justo, sábio e poderoso, como tem de ser um monarca a guiar
seu povo para a felicidade eterna.
A mágica dessa foto se revela sábia pois quem nele
acredita crê na imagem, quem não, desconfia e despreza. O cepticismo do homem é
tal que fosse qual fosse a prova que Cristo deixasse de sua existência, eles a
negariam e não acreditariam nela, fariam os meios de provar que não é real.
Por baixo desses olhos existem lágrimas eu sei, elas
correm para dentro de si em verdadeiro mar de tristeza, é por causa da maldade
do homem. Saem espontaneamente, creia, a cada atrocidade que testemunhamos no
mundo e ele espera passivamente, olhos cerrados, o seu trasbordamento certo de
que seu Pai o despertará dando-lhe autoridade para vingança.
A escuridão do sepulcro não o intimida, porque sabe
que ressuscitará e com ele essa esperança surgirá como fôlego de vida aos
homens. Luz maravilhosa, bondade irradiante, fonte de amor inesgotável, paz
abençoada, alívio de dores, misericórdia inacabável, homem sabedoria, salvação
de almas, preciosa existência, darei graças e louvores até a eternidade se
preciso por teres feito o que fez, morrer como morreu, estando agora aí quieto
e sereno, mas ciente de tudo.
Olho para o lado e vejo que Biro não entendeu metade
do que eu disse, sorri e ele correspondeu. O padre Alberto chega com roupas
novas às quais agradecemos. Limpos e alimentados nos despedimos do padre.
Na praça, Biro começa a correr e brincar. Então me
chama:
- Vamos entrar na igreja, só pra ver como é ?
Sentei num banco, a paz é muito intensa aqui e
observo Biro maravilhado percorrendo a igreja inteira parando a cada santo,
indo pelos corredores até ficar defronte o altar olhando. A distância observo
sua curiosidade, quase o vejo ali diante de dezenas de pessoas a divulgar a
palavra de Deus.
Fecho os olhos e recosto a cabeça no banco.
Já está na hora de ir embora dali.
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