segunda-feira, 25 de junho de 2012

Serie Viajante Solitário - Conto 19


O violão marca um melódico compasso
E dois homens cantam pela cidade
Palavras que cortam como aço
É como um ultimato, é a verdade

Viajante Solitário.
Mas não tanto, porque no caminho encontrei quem seguisse comigo pelas trilhas de terra como um companheiro, amigo, partilhando o pão e enfrentando o frio da noite. Um garoto de rua, tão necessitado de carinho quanto de comida e que pediu para andar comigo, é inteligente e gosta de me acompanhar. Biro ‚ a alegria dessa viagem de retorno, vai adiante de mim e me encontra depois com duas mangas, pergunto se as roubou e me diz que apanhou na  árvore e ninguém é dono da natureza. Faz tanto sentido que deveria ser lei.
- Viajante ! – disse ele - Tem uma cidade lá na frente.
- Eu conheço alguém aqui, fique junto que nós vamos procurar um homem bondoso.
Era uma cidade pequena de interior mas limpa e organizada, senti tranqulidade e bem estar como a muito tempo não sentia, típico de uma pacata cidade. Percorremos suas ruas sob os olhares dos habitantes até chegarmos a uma praça central. Havia uma linda igreja e eu sorri pois encontramos o homem.
Padre Alberto nos recebeu na sacristia onde nos deu alimento, e enquanto comíamos foi buscar roupas novas e limpas.
- Legal o padre, né viajante!
- Ele já me ajudou uma vez, Biro.
Havia uma imagem do Santo Sudário de Cristo, postada numa parede da sacristia.

- Biro, essa é a foto dele, expressão tranquila olhos fechados em seu leito de morte, calmo e certo de sua ressurreição, veja ! Olhe bem fixo e sinta a magia desse momento a tantos anos atrás, o instante em que Ele esteve morto, sereno, após dar seu sangue pelas almas da humanidade e a importância de seu gesto aumenta a cada nascimento de uma criança, observe e medite no semblante do rosto dele. Arde no peito ! E como é vital para nós... como é bondade, alegria, amor, justiça !!
Ele sabe de tudo, quieto, compassivo, absoluto... ele sabe de tudo.
Nossas vergonhas e pecados mais íntimos, nosso coração, nossas proezas e feitos, nossos sentimentos ! Ali, olhos fechados, soberano e ciente do poder que emana de si, o amor. Sabe o passado e o futuro e acompanha simultaneamente cada passo de suas ovelhas sem descanso, Ele é Rei. Rei incontestável, justo, sábio e poderoso, como tem de ser um monarca a guiar seu povo para a felicidade eterna.
A mágica dessa foto se revela sábia pois quem nele acredita crê na imagem, quem não, desconfia e despreza. O cepticismo do homem é tal que fosse qual fosse a prova que Cristo deixasse de sua existência, eles a negariam e não acreditariam nela, fariam os meios de provar que não é real.
Por baixo desses olhos existem lágrimas eu sei, elas correm para dentro de si em verdadeiro mar de tristeza, é por causa da maldade do homem. Saem espontaneamente, creia, a cada atrocidade que testemunhamos no mundo e ele espera passivamente, olhos cerrados, o seu trasbordamento certo de que seu Pai o despertará dando-lhe autoridade para vingança.
A escuridão do sepulcro não o intimida, porque sabe que ressuscitará  e com ele essa esperança surgirá como fôlego de vida aos homens. Luz maravilhosa, bondade irradiante, fonte de amor inesgotável, paz abençoada, alívio de dores, misericórdia inacabável, homem sabedoria, salvação de almas, preciosa existência, darei graças e louvores até a eternidade se preciso por teres feito o que fez, morrer como morreu, estando agora aí quieto e sereno, mas ciente de tudo.

Olho para o lado e vejo que Biro não entendeu metade do que eu disse, sorri e ele correspondeu. O padre Alberto chega com roupas novas às quais agradecemos. Limpos e alimentados nos despedimos do padre.
Na praça, Biro começa a correr e brincar. Então me chama:
- Vamos entrar na igreja, só pra ver como é ?
Sentei num banco, a paz é muito intensa aqui e observo Biro maravilhado percorrendo a igreja inteira parando a cada santo, indo pelos corredores até ficar defronte o altar olhando. A distância observo sua curiosidade, quase o vejo ali diante de dezenas de pessoas a divulgar a palavra de Deus.
Fecho os olhos e recosto a cabeça no banco.
Já está na hora de ir embora dali.

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