sábado, 12 de setembro de 2015

O telefonema

Série Emoções

Estava eu lá pelas nove da noite, quando de repente começa a chover. Assustado, corri em direção ao armazém do “seu mané” que já estava fechando o estabelecimento. Perguntei: “Seu mané, deixa eu dar um telefonema lá pra casa vai ? Ele respondeu: Só se pagar os três reais que me deve. Remexi no meu bolso, catei uns trocados, umas moedas, contei, recontei e cheguei à triste conclusão que tinha somente R$ 2,90.
Chorei. Invoquei todos os santos mas “seu mané” foi duro e impiedoso, não me permitiu telefonar. Saí dizendo o quanto era “direita” a prezada mamãe do “seu mané”.
Já totalmente ensopado e dando os meus espirrinhos encontrei um telefone público. Fui seco para comprar um cartão mas as bancas estavam todas fechadas. Corri até os bares, lojas, mas dentro das que estavam abertas nenhuma loja, nenhum bar tinha um cartão telefônico. Depois de andar quase três quilômetros finalmente achei alguém que tinha um cartão. Paguei o dobro, fui chamado de otário mas até que enfim iria telefonar.
Coloquei o cartão, disquei o número certo, fiz tudo com muita calma para não dar zebra, ouvi dezenas de toooons, mas nada de atenderem, mas sabendo que o cartão continha mais créditos desliguei o aparelho. Na hora que fui recolocar o cartão fiquei mais branco que “bumbum de escandinavo” ( a expressão aí é do Ponte Preta), esfreguei os olhos até doerem mas a realidade era uma só: NÃO haviam mais créditos.
Só depois de estourar minha cabeça no muro em frente lembrei-me que havia visto somente um crédito na ligação anterior, o cidadão me vendeu um cartão usado. Já eram pra lá das onze da noite, completamente ensopado, longe de casa e sem poder voltar ( o que é pior), resolvi gastar meu único cartucho, tentarei chegar até a casa do Paulo, um amigo meu.
A casa  dele fica a umas cinco quadras daqui e a essas alturas ele deve estar em casa. Após ter tocado a campainha umas dez vezes ele abriu, estava caindo de sono e quase me confundiu com sua sogra ( QUEM DIRIA, EU ?); enquanto ele dormia no batente eu já havia tentado telefonar duas vezes, na terceira estava chamando e até que enfim consegui.
Já eram três da madruga e... Graças a Deus consegui falar com o meu irmão e vou relatar o meu papo com ele.

-         Alô.
-         Alô, de onde fala ?
-         234-5678
-         Ô Raul, aqui é o teu irmão, cara.
-         Puxa, cara, houve o maior rebu ontem por sua causa, meu.
-         Tô sabendo... escuta aqui, o que deu a coisa aí ontem ?
-         Adivinha.
-         Não enrola, diz logo, não faz cera.
-         Presta atenção, o negócio foi assim... eu...
-         Se não quer falar, desliga.
-         Não espera aí, onde é que você está ? Quer que eu vou buscar você, um instante só ?
-         Não precisa, só conta como é que foi.
-         Foi assim, mas eu posso buscar você e...
-         Depois, Raul, diz logo.
-         Primeiro ela... você quer mesmo ouvir ?
-         Seu suspense não cola, anda que o Paulo está todo molhado lá na porta e ainda não acordou.
-         Você está na casa do Paulo, não é longe, eu vou buscar.
-         Tá OK, mas antes conta.
-         Eu tô com sono, Uaaahhh...
-         Imbecil, cretino, anda com isso seu rato de esgoto, que o coitado do Paulo a essas alturas já deve estar morto.
-         Tá legal, você insistiu tanto que eu vou contar.
-         Até que enfim
-         Ela chegou e...
-         E o Quê ?
-         Disse que iria...
-         Fala mentecapto.
-         Ela pegou e...
-         Diz.
-         Jogou fora.
-         Jogou fora ?
-         É isso aí.
-         Jogou fora o medalhão que eu comprei daquele estúpido do Paulo ?
-         Jogou.
-         Mas por quê ?
-         Quem manda você ser trouxa e comprar uma besteira por cinquenta paus ?
-         Sabe de uma coisa ?
-         O quê ?
-         Apesar de já estar quase morto, vou deixar o Paulo na chuva até apodrecer e aí depois pico ele e jogo aos abutres tá ouvindo ?
-         Você não é louco .
-         Tem razão, foi só pra desabafar.
-         Saquei logo.
-         Você tá sempre sacando as coisas, não ?
-         Ué, pra que serve ser filósofo. !
-         E o que o filósofo tem a ver com isso ?
-         Sei lá.
-         Que mancada, heim ?
-         E agora, José ?
-         Vamos ver que bicho dá, né ?
-         Pois é.
-         Vamos para de dizer pois é !?
-         E o Paulo ?
-         Ë mesmo, e o Paulo ?
-         Vai ver que ele acordou.
-         Duvido.
-         Você vai deixar ele lá ?
-         O que você quer que eu faça ?
-         Sei lá, pelo menos fecha a porta.
-         Boa idéia, e depois ?
-         Você que sabe, quem criou essa tragédia foi você, não vindo pra casa.
-         Mas não deu.
-         Por quê ?
-         Eu só tinha R$ 2,90 no bolso e não está passando condução a essas horas.
-         Por que não comprou um cartão e telefonou. ?
-         Eu comprei mas depois de tentar diversas vezes resolveram atender na hora que eu ia desligando, resultado, acabaram os créditos do cartão.
-         É lógico, o pessoal todo espalhafatoso, ninguém escutou, somente eu, mas pensei que fosse o padeiro reclamando da conta que ninguém paga, mas de tanto insistirem atendi, pensei que fosse um trote.
-         Seu idiota, não poderia ter atendido antes ?
-         Eu ia saber ?
-         Devi saber.
-         Quer que eu vou te buscar ?
-         Vem, então.
-         Aonde você está ?
-         Ora, na casa do paulo.
-         Ei, e o Paulo ?
-         Corre aqui que o Paulo está lá estendido no chão.
-         Tem medo, é ?
-         Claro que não. Vem me buscar e traz uma ambulância.
-         Pra quê ?
-         O Paulo, ele...
-         Ele o quê ?
-         Ele MORREU.
-         Ah ! bom.
-         Tchau.

-         Tchau.

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