terça-feira, 24 de abril de 2012

Serie Viajante Solitário - Conto 06


Faculdade. Meus cabelos estão cortados e minha cabeça pintada, mas eu não me preocupo com isso, e sim ao meu lado com uma moça grávida. Que maldade, ela está assustada, trêmula, eles a ameaçam e humilham com violência. Ela se sente mal, com dores, eles correm, eu choro.
E acordo.
A brisa suave da manhã no rosto, o bem-te-vi me saúda para um novo dia. Lembro do sonho e respiro fundo, faz tanto tempo.
Estou às portas de uma cidade e sinto fome, por isso entro nela. Ouço um choro triste e faminto o que me faz lembrar o sonho. Mas não, aquilo era real. Intrigado procuro a origem do lamento, até descobrir, com uma comoção triste e profunda em meu peito, um bebê, tão ansioso de vida, abandonado ao relento junto a um ponto de ônibus. Milhares de coisas, lembranças justas, injustas, fragmentos de memória passaram por minha cabeça enquanto uma lágrima rolava e pessoas passavam dizendo: "Coitadinho" "Que pena!" "Que maldade abandonar assim!"
Peguei-o ainda na caixa e envolto no pano em que estava. Ela sorriu. Era menina! Dócil e linda porém carente e faminta, podia se ver em seus olhos. Esqueci tudo o que eu precisava.
Pela cidade segui de porta em porta onde minhas forças me levaram e sem nada dizer, apenas deixando que os olhos dela tudo dissessem, sua fome, seu frio, sua incerteza do futuro.
Muitos nem quiseram olhar pra ela, pois certamente leriam suas necessidades, alguns indicaram o caminho que eu já conhecia.
E ela me olhava, o que estaria lendo dentro de mim ? Seria eu diferente dela em algo, teria eu um destino certo, traçado ? Quem me ampararia quando precisasse ? Ela estava preocupada comigo, sim, preocupada com meu destino porque seus olhos me fitavam.
Pobre dele, estava pensando, li todos os seus conflitos, desejos, necessidades, e certamente está em pior situação que eu.
Mas eu sou um viajante, um viajante apenas.
E cheguei finalmente onde precisava, à delegacia da cidade, deixa-la aos cuidados da lei de uma sociedade injusta. E antes de ser liberado uma pergunta final me fizeram.

- O nome dela, qual é ?
- O nome dela é Lia, Lia é o nome dela.

Antes de sair me lembrei que estava com fome, mas antes de pronunciar algo, o policial colocou uma nota na minha mão. Eu o olhei, ele lera em meus olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário