Faculdade. Meus cabelos estão cortados e minha
cabeça pintada, mas eu não me preocupo com isso, e sim ao meu lado com uma moça
grávida. Que maldade, ela está assustada, trêmula, eles a ameaçam e humilham
com violência. Ela se sente mal, com dores, eles correm, eu choro.
E acordo.
A brisa suave da manhã no rosto, o bem-te-vi me
saúda para um novo dia. Lembro do sonho e respiro fundo, faz tanto tempo.
Estou às portas de uma cidade e sinto fome, por isso
entro nela. Ouço um choro triste e faminto o que me faz lembrar o sonho. Mas
não, aquilo era real. Intrigado procuro a origem do lamento, até descobrir, com
uma comoção triste e profunda em meu peito, um bebê, tão ansioso de vida,
abandonado ao relento junto a um ponto de ônibus. Milhares de coisas,
lembranças justas, injustas, fragmentos de memória passaram por minha cabeça
enquanto uma lágrima rolava e pessoas passavam dizendo: "Coitadinho"
"Que pena!" "Que maldade abandonar assim!"
Peguei-o ainda na caixa e envolto no pano em que
estava. Ela sorriu. Era menina! Dócil e linda porém carente e faminta, podia se
ver em seus olhos. Esqueci tudo o que eu precisava.
Pela cidade segui de porta em porta onde minhas
forças me levaram e sem nada dizer, apenas deixando que os olhos dela tudo
dissessem, sua fome, seu frio, sua incerteza do futuro.
Muitos nem quiseram olhar pra ela, pois certamente
leriam suas necessidades, alguns indicaram o caminho que eu já conhecia.
E ela me olhava, o que estaria lendo dentro de mim ?
Seria eu diferente dela em algo, teria eu um destino certo, traçado ? Quem me
ampararia quando precisasse ? Ela estava preocupada comigo, sim, preocupada com
meu destino porque seus olhos me fitavam.
Pobre dele, estava pensando, li todos os seus
conflitos, desejos, necessidades, e certamente está em pior situação que eu.
Mas eu sou um viajante, um viajante apenas.
E cheguei finalmente onde precisava, à delegacia da
cidade, deixa-la aos cuidados da lei de uma sociedade injusta. E antes de ser
liberado uma pergunta final me fizeram.
- O nome dela, qual é ?
- O nome dela é Lia, Lia é o nome dela.
Antes de sair me lembrei que estava com fome, mas
antes de pronunciar algo, o policial colocou uma nota na minha mão. Eu o olhei,
ele lera em meus olhos.
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