sexta-feira, 30 de março de 2012

Série Viajante Solitário - Conto 02



Estrondo.
O repentino vento gelado e úmido, as gotas que vão caindo e a correria dos animais no campo anunciam mais uma força irremediável da natureza, sob a vontade do Criador. Chove. A prova que há vida.
Observo. Solitário.
O calor se torna frio pois o vento joga a água com violência sobre mim, mas fico alegre apenas pela energia, o aroma de terra e de vida. Quase nem respiro pelo quanto desse líquido divino que escorre pelo meu rosto. Vejo os rios dele que se misturam às lágrimas que exulto de alegria pela vida. Levam junto com minhas dores o alimento da Terra. Quando caem no solo fortificam plantas e nutrem árvores, assim como vão alimentar rios e lagos. Imagino o quanto de seres não exultam como eu pela vida que há nessas águas, microscópicos ou não, da terra ou dos mares e rios. Peixes, anfíbios, moluscos, répteis, enfim. Os rios conduzem vidas, cada uma com particularidades tais que se deduz que o planeta foi feito só para ela; um pequeno molusco a vencer a correnteza do rio prova isso, pois para ele sua jornada é tudo de mais importante no mundo. E a  água que desceu do céu  com violência veio ser berço de novas vidas. Estrondo.
Uma luz, uma brilhante luz, uma lufada de vento e o som ensurdecedor concluem irrefutavelmente, nós somos o mundo, fazemos o mundo, ele é nosso.
Vi tudo isso com olhos que saltam da minha face e viajam por lugares  ilimitados em dimensões inimagináveis pois penetraram no âmago de um rio e puderam acompanhar um ser microscópico lutando pela vida com garra. Mas é só isso ? Não, pois enquanto ainda recebia cargas de chuva sobre meu corpo, sentado no campo, deixei viajar.
E eles subiram, levados pelo vento, carregados de júbilo aos céus, atravessando nuvens carregadas de água e eletricidade latente, fontes de vida e de energia, indo acima delas. Chegando a pontos onde se podia observar todo o complexo deste planeta, a girar de forma inabalável, no ritmo determinado pelo Criador, calmo e sereno embora ciente de tudo o que se passa nele.
Meus olhos viam povos e nações, continentes, vendo o nascer do sol e seu ocaso subsequente, em ritmo constante como um relógio. Cadeias de nuvens e ciclones como manchas no papel, quase a ponto de toca-las e com um sopro, mudar sua forma. Capricho.
Qual a cor que os gases na atmosfera da Terra, tocados pela luz do sol deverão sugerir?
Terá Ele feito a Si essa pergunta??
Azul, pois é lindo e suave como a paz que eu quero que domine este lugar
Digo eu "A saber no que se transformou nossa casa, Pai, o que farás?"
 
Mas tudo continua lindo, os mares refletindo o brilho da estrela me lembra o lago ainda antes da chuva, onde estava sentado observando as ondulações brilhantes causadas pelo vento.
Uma esfera, não tão perfeita, circundava meus olhos lacrimejantes de emoção. Sinto algo presente, observam-me quase como se me chamassem. Resisto em olhar fascinado pela Terra, é quando insistem tanto que volto meus olhos.
O Universo.
Ele reclama atenção, e começo a perceber o quanto é lindo e inalcançavel. Dimensões imensas, estrelas, planetas, asteróides, galáxias, objetos de todas as grandezas, cores e formações. Cada um com particularidades implícitas somente a eles próprios, razões do Criador, verdadeiras pinturas e tão complexos quanto de onde vim. Trarão vidas? Terão detalhes como a Terra? Sobrevôo pelo espaço e me integro a tudo por um instante, vejo realidades que se diferenciam tanto do que conheço que chego a me assustar. É lindo e aterrador.
E lá, o meu lugar? Onde está?
Olho ao redor e quase não o encontro, está distante como...
Deus, um homem jamais poderá ter esse direito de observar tudo como a ti, pois percebo que a Terra nada mais passa de um grão de areia. A pouco estava integrado à maravilha microscópica de um ser vivo em meio às águas do rio, lutando pela vida, e senti-me senhor da Terra. Agora vejo que a própria Terra é um ser microscópico lutando pela vida.
E o homem, onde fica?
Meus olhos retornam da viagem, abro vagarosamente.
A chuva cessou, o campo verde respira vida e o sol vem coroar o resto do dia. Meu corpo está completamente molhado e meus pés no chão enlameado. Olho ao redor, estou em casa. No céu azulado desponta um arco-íris, e ao sentir tanta alegria uma voz encheu-me dizendo: "Seja você mesmo e não se preocupe com o que não se deve preocupar. Viva e lembre-se de que você sou eu porque eu te fiz."
Eu nunca posso dizer que estou viajando sozinho porque sempre há alguém comigo, mesmo agora quando espíritos oram por mim, dando-me a inspiração de que necessito.

Levanto-me frio e úmido, mas ao invés do trovão o que ouço ao meu redor é o canto de pássaros que acompanham-me por quilômetros.

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