Estrondo.
O repentino vento gelado e úmido, as gotas que vão
caindo e a correria dos animais no campo anunciam mais uma força irremediável
da natureza, sob a vontade do Criador. Chove. A prova que há vida.
Observo. Solitário.
O calor se torna frio pois o vento joga a água com
violência sobre mim, mas fico alegre apenas pela energia, o aroma de terra e de
vida. Quase nem respiro pelo quanto desse líquido divino que escorre pelo meu
rosto. Vejo os rios dele que se misturam às lágrimas que exulto de alegria pela
vida. Levam junto com minhas dores o alimento da Terra. Quando caem no solo
fortificam plantas e nutrem árvores, assim como vão alimentar rios e lagos.
Imagino o quanto de seres não exultam como eu pela vida que há nessas águas,
microscópicos ou não, da terra ou dos mares e rios. Peixes, anfíbios, moluscos,
répteis, enfim. Os rios conduzem vidas, cada uma com particularidades tais que
se deduz que o planeta foi feito só para ela; um pequeno molusco a vencer a
correnteza do rio prova isso, pois para ele sua jornada é tudo de mais
importante no mundo. E a água que desceu
do céu com violência veio ser berço de
novas vidas. Estrondo.
Uma luz, uma brilhante luz, uma lufada de vento e o
som ensurdecedor concluem irrefutavelmente, nós somos o mundo, fazemos o mundo,
ele é nosso.
Vi tudo isso com olhos que saltam da minha face e
viajam por lugares ilimitados em dimensões
inimagináveis pois penetraram no âmago de um rio e puderam acompanhar um ser
microscópico lutando pela vida com garra. Mas é só isso ? Não, pois enquanto
ainda recebia cargas de chuva sobre meu corpo, sentado no campo, deixei viajar.
E eles subiram, levados pelo vento, carregados de
júbilo aos céus, atravessando nuvens carregadas de água e eletricidade latente,
fontes de vida e de energia, indo acima delas. Chegando a pontos onde se podia
observar todo o complexo deste planeta, a girar de forma inabalável, no ritmo
determinado pelo Criador, calmo e sereno embora ciente de tudo o que se passa
nele.
Meus olhos viam povos e nações, continentes, vendo o
nascer do sol e seu ocaso subsequente, em ritmo constante como um relógio.
Cadeias de nuvens e ciclones como manchas no papel, quase a ponto de toca-las e
com um sopro, mudar sua forma. Capricho.
Qual a cor que os gases na atmosfera da Terra,
tocados pela luz do sol deverão sugerir?
Terá Ele feito a Si essa pergunta??
Azul, pois é lindo e suave como a paz que eu quero
que domine este lugar
Digo eu "A saber no que se transformou nossa
casa, Pai, o que farás?"
Mas tudo continua lindo, os mares refletindo o
brilho da estrela me lembra o lago ainda antes da chuva, onde estava sentado
observando as ondulações brilhantes causadas pelo vento.
Uma esfera, não tão perfeita, circundava meus olhos
lacrimejantes de emoção. Sinto algo presente, observam-me quase como se me
chamassem. Resisto em olhar fascinado pela Terra, é quando insistem tanto que
volto meus olhos.
O Universo.
Ele reclama atenção, e começo a perceber o quanto é
lindo e inalcançavel. Dimensões imensas, estrelas, planetas, asteróides,
galáxias, objetos de todas as grandezas, cores e formações. Cada um com
particularidades implícitas somente a eles próprios, razões do Criador,
verdadeiras pinturas e tão complexos quanto de onde vim. Trarão vidas? Terão
detalhes como a Terra? Sobrevôo pelo espaço e me integro a tudo por um
instante, vejo realidades que se diferenciam tanto do que conheço que chego a me
assustar. É lindo e aterrador.
E lá, o meu lugar? Onde está?
Olho ao redor e quase não o encontro, está distante
como...
Deus, um homem jamais poderá ter esse direito de
observar tudo como a ti, pois percebo que a Terra nada mais passa de um grão de
areia. A pouco estava integrado à maravilha microscópica de um ser vivo em meio
às águas do rio, lutando pela vida, e senti-me senhor da Terra. Agora vejo que
a própria Terra é um ser microscópico lutando pela vida.
E o homem, onde fica?
Meus olhos retornam da viagem, abro vagarosamente.
A chuva cessou, o campo verde respira vida e o sol
vem coroar o resto do dia. Meu corpo está completamente molhado e meus pés no
chão enlameado. Olho ao redor, estou em casa. No céu azulado desponta um
arco-íris, e ao sentir tanta alegria uma voz encheu-me dizendo: "Seja você
mesmo e não se preocupe com o que não se deve preocupar. Viva e lembre-se de
que você sou eu porque eu te fiz."
Eu nunca posso dizer que estou viajando sozinho
porque sempre há alguém comigo, mesmo agora quando espíritos oram por mim,
dando-me a inspiração de que necessito.
Levanto-me frio e úmido, mas ao invés do trovão o
que ouço ao meu redor é o canto de pássaros que acompanham-me por quilômetros.
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